quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A cobertura da imprensa é um reflexo da cultura

A cobertura do tsunami no Japão feita pela rede pública de televisão NHK teve como principal característica a informação oficial. E não poderia ser diferente, afinal, ela é a voz e a imagem do governo. A emissora deu ênfase ao terremoto seguido de tsunami, a destruição que isso trouxe para o país e as medidas imediatamente tomadas para conter as complicações decorrentes da tragédia. A NHK repercutiu o que era visível, cidades devastadas, mortos e desaparecidos. Já a mídia americana, europeia e brasileira, se baseou em informações de agências de notícias e correspondentes ou enviados especiais. Portanto, os profissionais buscavam dados além dos que eram perceptíveis e oficiais. Eles queriam proximidade com o público, com o interesse dos países de origem das empresas que representavam.

A diferença entre as coberturas oriental e ocidental é natural, é o reflexo de culturas díspares. No Japão, como afirma o jornalista Arthur Dapieve, “a mídia usa de insinuações, linguagem indireta, para não ferir o outro”. Nada de alardes ou narrações emocionadas, apenas informações úteis para pessoas que naquele momento estavam carentes de conforto, água potável, comida e a certeza de que podiam superar mais esse episódio na história do país. Segundo o repórter Hirouki Takeuchi, “a missão da imprensa era levantar o ânimo da população”.

Em um primeiro momento, a imprensa do Ocidente também repercutiu o desastre natural em si, mas assim que notícias sobre vazamentos radioativos de usinas nucleares, como Fukushima, vieram à tona, o foco mudou. A questão nuclear fez com que a imprensa americana e europeia deixasse em segundo plano os mortos, feridos e as cidades devastadas. Naquele momento a preocupação era a radioatividade e o medo de repetir o que ocorreu em Chernobyl. Esta é uma manchete do jornal The New York Times em 12 de abril de 2011: Japão eleva a 7 nível de acidente em usina nuclear. Severidade da crise em Fukushima é a mesma da central de Chernobylyl, em 1986. Compare com um destaque da NHK no mesmo dia: Japão aprova 4 trilhões de ienes (48 bilhões de dólares) para reconstrução após tsunami.

Mesmo com as informações oficiais de que tudo estava sob controle, os jornais ocidentais especulavam o perigo que não só os japoneses, mas o mundo todo corria com o vazamento radioativo. “A sociedade ocidental tende ao seu conforto e bem-estar e a mídia funciona como sirene, quanto mais é acionada, mais alto precisa soar”, como opina o jornalista Alberto Dines. Matérias sobre usinas locais na França, nos EUA e o retorno ao caso de Chernobyl tomou conta dos noticiários, inclusive no Brasil com a usina de Angra dos Reis. Enquanto isso no Japão, esse não era o foco da imprensa e o mundo perguntava o porquê do Japão não dar a dimensão devida ao caso das usinas. Mas o Ocidente se esqueceu que no Japão o alerta é dado antes e não depois que tudo ocorre. Isso é comum aos orientais, afinal o Japão é reconhecidamente uma nação preparada para problemas naturais, terremotos acontecem com frequência, vulcões estão em erupção por anos. E tais fenômenos nem os preocupavam, a engenharia ao longo do tempo criou mecanismos de proteção contra este tipo de situação. O povo é orientado para estes casos. O governo preparado para agir a qualquer momento. E isso naturalmente influência a vida das pessoas e a cobertura da mídia. O ponto chave para a imprensa japonesa foi a tragédia, extamente pelo fato deles não contarem com tamanha destruição, e não um desdobramento disso tudo, que foi o problema nas usinas e a radiação, até porque, segundo o governo japonês, os níveis de radioatividade não eram nada alarmantes, o contrário do que diziam organismos internacionais.

A NHK sempre mostrou um país sob controle. Por tudo que o Japão já sofreu como as bombas de Hiroshima e Nagasaki na segunda guerra, o povo japonês esta habituado a lidar com situações imprevisíveis. Eles sabem que a nação possui tecnologia suficientemente capaz de recuperar o que foi destruido, só não podem trazer de volta as vidas que se foram, mas a morte por lá também é vista de maneira diferenciada, é momento de júbilo e não de lamentação. Um exemplo claro da capacidade de recuperação dos japoneses é a reconstrução das estradas. No Brasil já se passaram meses do ocorrido nas encostas da região serrana, e tudo ainda continua no chão. No Japão áreas destruidas são incrívelmente refeitas, estradas são abertas em questão de horas. Tudo isso se reflete no comportamento da mídia local. O que é relevante para eles nem sempre é para o mundo. Alberto Dines afirma “no Japão é natural que as autoridades e os jornalistas recusem qualquer entonação alarmista, o povo é suficientemente sofrido e experiente para avaliar o que está acontecendo, não precisa ser sacudido artificialmente”.

Enfim, a NHK noticiou aquilo que precisava ser noticiado e não ficou fazendo sensacionalismo com as imagens chocantes. A intenção maior foi mostrar que o Japão é capaz de se recuperar com rapidez e competência de situações tão adversas e que o povo, não se desespera, mas espera na calma e tranquilidade de um país civilizado, onde a educação, o preparo dos profissionais que atuam nessas ocasiões é tão perfeito que não há o que temer. Apenas trabalhar para se recontruir e seguir em frente.

De tudo isso podemos tirar a conclusão de que a imprensa de cada país, de cada região repercute aquilo que a cultura local absorve. Para o Ocidente mostrar a devastação do tsunami não bastava para atrair o público, era preciso mais. Causar preocupação para vender. Alarmar o mundo com questões nucleares. Já no Japão mostrar a força e a resignação japonesas para superar mais uma tragédia era o mais importante. Não é a toa que são considerados um dos povos mais civilizados do mundo. Afinal, quem é que não sabe que o desepero não leva a nada. No Brasil sabemos que no geral, com raríssimas excessões, as coberturas de tragédias são emocionadas e voltadas para aquilo que toca fundo o público. Nos EUA, acostumados a situações cinematográficas, a imprensa segue a risca os moldes hollywoodianos. No Japão é diferente, a notícia é o fato e nada mais. Isso não quer dizer que a cobertura jornalística de lá é melhor do que a daqui. É apenas o reflexo da cultura, da necessidade do mercado.


Artigo feito por Ana Carolina Cavallaro e Neuber Fischer, para crédito a disciplina Tópicos Específicos - Prof. Wagner Belmonte - Jornalismo - Fapcom 2011

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